quarta-feira, 11 de junho de 2014

Espiritismo e a abolição da escravatura

Como sabemos, a implantação do sistema escravagista em nosso País coincidiu praticamente com a chegada de Pedro Álvares Cabral às terras brasileiras.


Dr. Bezerra de Menezes escreveu um trabalho titulado “A escravidão no Brasil e as medidas que convém tomar para extingui-la sem danos para a nação”. Nessa belíssima obra, Bezerra descreveu a situação do homem da raça negra no ano de 1869 nas nossas terras. Afirmou que o escravo era considerado uma coisa e para quem o possuía, ele não era mais que uma propriedade, bens da fortuna, dos quais o branco procurava tirar todo o proveito, todo o lucro possível.

Figura 01 – Escravidão no Brasil - 1888
             FONTE: http://diariodosol.com.br/noticias/2013/11/


Afirmou que a educação desse “simulacro” [reprodução imperfeita] de gente, limitava-se a algum ofício mecânico, que o tornava mais rendoso a seu senhor e que o modo desumano de criar, de educar e de tratar o escravo, não produzia somente o mal horrendo do embrutecimento e da degradação moral de uma raça humana; mas também os maiores e os mais invencíveis perigos que futuramente iriam ameaçar a paz e a felicidade das famílias.

Dando seguimento a sua narrativa, assegurou que o escravo embrutecido pela educação que recebia e pela vida que levava, não conhecia a honra. Desta condição sub-humana, resultou a prostituição, com todo o cortejo de vícios humanos, sendo esta, a condição da mulher escrava.

Afiançou que o ódio e o desejo ardente, insaciável de vingança, era o sentimento mais forte do coração do negro para com a raça branca em geral, e para com seu senhor em particular.

No dia 13 de maio de 1869, dezenove anos antes da decretação da Lei Áurea, o confrade Antônio da Silva Neto, pioneiro do Espiritismo no Brasil, publicou o folheto “A coroa e a emancipação do elemento servil”, focalizando um tema que Allan Kardec havia verificado no O Livro dos Espíritos, na questão 829.

Pesquisou Kardec: – Haverá homens que estejam, por natureza, destinados a ser propriedades de outros homens?

Os Espíritos lhe responderam: “É contrária à lei de Deus toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A escravidão é um abuso da força. Desaparece com o progresso, como gradativamente desaparecerão todos os abusos.”

Allan Kardec, em brilhante ensaio, que é a questão 222, do O Livro dos Espíritos, defende, com argumentação indiscutível, o imperativo da reencarnação sob a ótica da justiça e da misericórdia de Deus. É um trabalho monumental, até hoje não contestado por filósofo ou teólogo algum.

Segundo Kardec a doutrina reencarnacionista é a única que não é racista, pois demonstra que Deus não seria justo se criasse um Espírito imortal dentro de uma raça. Todos os Espíritos pertencem a uma única raça, à raça divina, porque somos filhos de Deus.   

Na resposta da questão 273, do O Livro dos Espíritos, observamos:” Um senhor, que tenha sido de grande crueldade para os seus escravos, poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus tratos que infligiu a seus semelhantes. Um, que em certa época exerceu o mando, pode, em nova existência, ter que obedecer aos que se curvaram ante a sua vontade. Ser-lhe-á isso uma expiação, que Deus lhe imponha, se ele abusou do seu poder. Também um bom Espírito pode querer encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente, para fazê-las progredir. Em tal caso, desempenha uma missão.”

Analisado o cap. V do livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”, de autoria de Humberto de Campos, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, cujo prefácio é de Emmanuel, Espírito que participou da codificação, citamos:

“– Ismael (disse Jesus ao protetor espiritual do Brasil), asserena teu mundo íntimo no cumprimento dos sagrados deveres que te foram confiados. Bem sabes que os homens têm a sua responsabilidade pessoal nos feitos que realizam em suas existências isoladas e coletivas. Mas, se não podemos tolher-lhes aí a liberdade, também não podemos esquecer que existe o instituto imortal da justiça divina, onde cada qual receberá de conformidade com os seus atos.

“Havia eu determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildes do planeta, buscando-se a colaboração dos povos sofredores das regiões africanas; todavia, para que essa cooperação fosse efetivada sem o atrito das armas, aproximei Portugal daquelas raças sofredoras, sem violências de qualquer natureza. A colaboração africana deveria, pois, verificar-se sem abalos perniciosos, no capítulo das minhas amorosas determinações.

“O homem branco da Europa, entretanto, está prejudicado por uma educação espiritual condenável e deficiente. Desejando entregar-se ao prazer fictício dos sentidos, procura eximir-se aos trabalhos pesados da agricultura, alegando o pretexto dos climas considerados perniciosos. Eles terão a liberdade de humilhar os seus irmãos, em face da grande lei do arbítrio independente, embora limitado, instituído por Deus para reger a vida de todas as criaturas, dentro dos sagrados imperativos da responsabilidade individual; mas, os que praticarem o nefando comércio sofrerão, igualmente, o mesmo martírio, nos dias do futuro, quando forem também vendidos e flagelados em identidade de circunstâncias.

“Na sua sede nociva de gozo, os homens brancos ainda não perceberam que a evolução se processa pela prática do bem e que todo o determinismo de Nosso Pai deve assinalar-se pelo ‘amai o próximo como a vós mesmos’.

“Ignoram voluntariamente que o mal gera outros males com um largo cortejo de sofrimentos. Contudo, através dessas linhas tortuosas, impostas pela vontade livre das criaturas humanas, operarei com a minha misericórdia. Colocarei a minha luz sobre essas sombras, amenizando tão dolorosas crueldades. Prossegue com as tuas renúncias em favor do Evangelho e confia na vitória da Providência Divina.” 

Depois de registrar em seu livro a fala acima transcrita, Humberto de Campos (Espírito) descreveu as sucessivas provações que se abateram sobre Portugal e sua gente, que desse modo expiavam a dor imposta aos africanos escravizados, e por fim observou:

“Os filhos da África foram humilhados e abatidos, no solo onde floresciam as suas bênçãos renovadoras e santificantes; o Senhor, porém, lhes sustentou o coração oprimido, iluminando o calvário dos seus indizíveis padecimentos com a lâmpada suave do seu inesgotável amor. Através das linhas tortuosas dos homens, realizou Jesus os seus grandes e benditos objetivos, porque os negros das costas africanas foram uma das pedras angulares do monumento evangélico do Coração do Mundo. Sobre os seus ombros flagelados, carrearam-se quase todos os elementos materiais para a organização física do Brasil e, do manancial de humildade de seus corações resignados e tristes, nasceram lições comovedoras, imunizando todos os espíritos contra os excessos do imperialismo e do orgulho injustificáveis das outras nações do planeta, dotando-se a alma brasileira dos mais belos sentimentos de fraternidade, de ternura e de perdão.” 

Quando da abolição da escravatura no Brasil, fazia apenas 31 anos que o Espiritismo havia surgido na França.

Muitos autores consideram que a escravidão no Brasil, a maior aberração de que se tem notícia neste planeta. Um ser humano ser propriedade de outro ser humano. Nenhum crime, por mais bárbaro que seja, é tão vergonhoso à condição humana quanto a escravização do seu semelhante.

Oficialmente, havia pouco mais de 700 mil escravos na data da abolição. Em poucos anos, mais da metade deles havia morrido. Acostumados ao trabalho nas fazendas, em sua maioria, foram se aventurar nas cidades, sem ter recursos ou paradeiro. Muitos caíram no alcoolismo, na criminalidade, na mendicância. Tiveram início as primeiras favelas. Milhares de idosos e crianças ficaram abruptamente sem proteção, sem cuidado, sem nada. As sequelas dessa época duram até hoje.

O Brasil foi construído a braço negro. Somos um país de bases negras. Somos um país onde durante séculos o trabalho era considerado ofensivo aos brancos dominantes.

Para Divaldo Franco o Brasil é um país que não tem carmas coletivos. Nossos dois grandes carmas são a escravidão negra e a Guerra do Paraguai. A escravidão negra foi condenada pela Princesa Isabel e era uma herança portuguesa. A Guerra do Paraguai foi uma reação à intolerância do governante paraguaio quando mandou aprisionar um navio brasileiro. Mas, para ele o nosso país resgatou essa dívida moral com o Paraguai através da Usina de Itaipu, que abriu grandes possibilidades para a pátria irmã.

Desta forma finalizamos afirmando que o Brasil é um país que se destina, pelo fato de não ter grandes carmas, a ser doador de diretrizes e exemplos de dignificação humana. A nossa miscigenação produziu um povo afável, generoso e que não guarda ressentimentos.